Na escadaria de stª Catarina
que desce para o elevador da bica alguém escreveu: "Em Portugal nada
acontece, «não há drama, tudo é intriga e trama»... Nada acontece, quer dizer,
nada se inscreve - na história ou na existência individual, na vida social ou
no plano artístico..." (...) "... o 25 de Abril recusou-se, embora de
outro modo, a inscrever no real os 48 anos de autoritarismo salazarista. Não
houve responsabilização de pides nem de responsáveis do antigo regime. Pelo
contrário, um imenso perdão recobriu com um véu a realidade regressiva,
castradora... Quando o luto não vem inscrever no real a perda de um laço
afectivo (de uma força), o "morto e a morte" virão assombrar os vivos
sem descanso.... " Como é isto possível? É possível porque as
consciências vivem no nevoeiro...." (...) "... Se não afastarmos
agora o nevoeiro que ameaça novamente toldar o nosso olhar, poderá ser
demasiado tarde quando nos apercebermos que, sem dar por isso, nos encurralaram
num beco, por período indeterminado...".(...)Três
décadas depois, convivemos ainda com ele. A sociedade não perdeu o medo, ainda
que as novas gerações pouco saibam desse passado de medo. Medo de agir, tomar
decisões, de amar, de criar, de viver. O medo do rival, do colega, dos
outros candidatos ao mesmo lugar, o medo de todos os outros. O esmagamento a
que a sociedade foi sujeita durante cerca de quatro décadas, potenciou a
incompetência por falta de audácia, de coragem, de capacidade para se
reconhecer o que se é. O medo é medo do poder, mas também da impotência própria
diante do poder. Medo de ter medo. Medo de parecer ter medo, de parecer fraco,
incapaz, ignorante, medíocre. É por isso que, quando se forma uma concreção de
poder que combina velhas estruturas hierárquicas com a relação paranóica
democrática, é esta que geralmente alimenta aquelas, abrindo o espaço para o
exercício de poder dos déspotas...
O MEDO PREPARA
IMPECAVELMENTE O TERRENO PARA A LEI REPRESSIVA SE APLICAR E TEM ESTADO NA
ORIGEM DA MAIOR PARTE DAS DITADURAS...
Adaptado
de
Portugal,
Hoje; O medo de existir
José
Gil
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