sábado, março 02, 2013

do MEDO

Na escadaria de stª Catarina que desce para o elevador da bica alguém escreveu: "Em Portugal nada acontece, «não há drama, tudo é intriga e trama»... Nada acontece, quer dizer, nada se inscreve - na história ou na existência individual, na vida social ou no plano artístico..." (...) "... o 25 de Abril recusou-se, embora de outro modo, a inscrever no real os 48 anos de autoritarismo salazarista. Não houve responsabilização de pides nem de responsáveis do antigo regime. Pelo contrário, um imenso perdão recobriu com um véu a realidade regressiva, castradora... Quando o luto não vem inscrever no real a perda de um laço afectivo (de uma força), o "morto e a morte" virão assombrar os vivos sem descanso.... " Como é isto possível? É possível porque as consciências vivem no nevoeiro...." (...) "... Se não afastarmos agora o nevoeiro que ameaça novamente toldar o nosso olhar, poderá ser demasiado tarde quando nos apercebermos que, sem dar por isso, nos encurralaram num beco, por período indeterminado...".(...)Três décadas depois, convivemos ainda com ele. A sociedade não perdeu o medo, ainda que as novas gerações pouco saibam desse passado de medo. Medo de agir, tomar decisões, de amar, de criar, de viver. O medo do rival, do colega, dos outros candidatos ao mesmo lugar, o medo de todos os outros. O esmagamento a que a sociedade foi sujeita durante cerca de quatro décadas, potenciou a incompetência por falta de audácia, de coragem, de capacidade para se reconhecer o que se é. O medo é medo do poder, mas também da impotência própria diante do poder. Medo de ter medo. Medo de parecer ter medo, de parecer fraco, incapaz, ignorante, medíocre. É por isso que, quando se forma uma concreção de poder que combina velhas estruturas hierárquicas com a relação paranóica democrática, é esta que geralmente alimenta aquelas, abrindo o espaço para o exercício de poder dos déspotas...

O MEDO PREPARA IMPECAVELMENTE O TERRENO PARA A LEI REPRESSIVA SE APLICAR E TEM ESTADO NA ORIGEM DA MAIOR PARTE DAS DITADURAS...


Adaptado de
Portugal, Hoje; O medo de existir
José Gil

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