Eu ainda não tive o prazer de conhecer pessoalmente a nova professora da minha filha mais velha, mas já gosto dela por antecipação. Três dias depois de ter entrado para a primária, a Carolina declarou solenemente: "A minha professora é brava". Brava?!?, perguntei eu. "Sim, brava. Ela não me deixa espreguiçar, ela não me deixa bochechar [a Carolina queria dizer ‘bocejar’], ela não me deixa beber água [a Carolina queria dizer ‘ela não me deixa interromper a aula para fazer o que me apetece’]. É muito brava".
Eu, que estava com algum receio de colocar a Carolina no ensino público, respirei de alívio. "Ufa, parece que lhe saiu a professora certa", comentei com a minha excelentíssima esposa. Receava que lhe tivesse calhado alguém que falasse com ela como a ministra Isabel Alçada falou connosco no famoso vídeo de início do ano lectivo: como se o nosso cérebro estivesse morto e todo o acto de aprendizagem tivesse de ser um desmesurado prazer.
A Carolina vinha de um infantário fantástico, que tem feito maravilhas pelos nossos filhos, mas onde era mais mimada do que o menino Jesus no presépio. Ora, chega uma fase na vida em que as crianças têm de perceber o que significa a disciplina, o esforço, a organização, o silêncio, o saber estar numa sala de aula, e toda uma vasta parafernália de actividades que não são tão agradáveis como comer Calippos de morango ou gerir o guarda-roupa das Pollys – mas que ainda assim são essenciais para viver em sociedade.
A minha filha está na idade certa para aprender que tem a obrigação de gastar 20 minutos diários a fazer o trabalho de casa. Para perceber que uma irmã mais velha tem mais privilégios mas também mais deveres do que os seus irmãos. Para compreender que com muito poder vem muita responsabilidade (sábias palavras do tio do Homem-Aranha). É essencial que estes valores – que atribuem o devido mérito à liberdade e ao esforço individual – estejam alinhados entre a casa e a escola.
Isso nem sempre acontece. A nossa escola passou num piscar de olhos da palmada no rabo à palmadinha nas costas. Ninguém tem saudades da palmatória, mas quando perguntam aos pais o que eles mais desejam para a escola dos seus filhos, a resposta costuma ser esta: regras claras e maior exigência. Os professores bravos fazem muita falta. Hoje a Carolina protesta. Amanhã irá agradecer-lhe.
2 comentários:
Pois é! O problema é que nem todos apreciam tal bravura, e a saúde mental e bem-estar do professor não agradecem nada as retaliações dos pais que acorrem em êxodo à escola na defesa dos seus exemplares e inocentes rebentos,poços de virtude resultante da estremada educação que têm em casa! E o professor que é manso ainda por cima é valorizado, elogiado, e até pode subir mais depressa na carreira,desde que descreva, em dossier exemplar, o modo como mansamente motiva os alunos, que tão bons resultados escolares obtêm! Desculpai o desabafo, mas ultimamente tem-me apetecido mais ser mansa do que brava!
Viva.
Agradeço o comentário.
Só quem está muito afastado da realidade escolar não compreende o desabafo da Manuela.
De qualquer forma, sem regras não há sucesso. Isso é algo que os pais deste país sabem... MAS se querem viver iludidos em fait divers (que é coisa que não falta)é lá com eles (e, infelizmente, com a saúde mental dos professores, reconheço!), mas mais tarde ou mais cedo a "batata quente" fica-lhe nas mãos.
Independentemente de se concordar ou não com a opinião do jornalista, parece-me que o texto foca um dos grandes problemas da escola pública. Cabe a esta (através da avaliação docente - que é "aquilo" que sabemos...), não ser parte do problema, mas antes mais uma solução do mesmo. Para tal, não pode promover comportamentos "mansos", a menos que eles promovam a disciplina e consequentemente bons resultados escolares(...digo eu...).
Saudações
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