segunda-feira, março 15, 2010

Tormes...Intemporal!

"Na cidade (como notou Jacinto) nunca se olham, nem lembram os astros - por causa dos candeeiros de gás ou dos globos de electricidade que os ofuscam. Por isso (como eu notei) nunca se entra nessa comunhão com o Universo que é a única glória e única consolação da vida. Mas na serra, sem prédios disformes de seis andares, sem a fumaraça que tapa Deus, sem os cuidados que, como pedaços de chumbo, puxam a alma para o pó rasteiro - um Jacinto, um Zé Fernandes, livres, bem jantados, fumando nos poiais de uma janela, olham para os astros e os astros olham para eles.
- O Jacinto, que estrela é esta, aqui, tão viva, sobre o beiral do telhado?
- Não sei...e aquela, Zé Fernandes, além, por cima do pinheiral?
- Não sei.
Não sabíamos. Eu, por causa da espessa crosta de ignorância com que saí do ventre de Coimbra, minha mãe espiritual. Ele, porque na sua biblioteca possuía trezentos e oito tratados sobre Astronomia, e o saber, assim acumulado, forma um monte que nunca se transpõe nem se desbasta.
Mas que importava que aquele astro além se chamasse Sírio e aquele outro Aldebarã? Que lhes importava a eles que um de nós fosse jacinto, outro Zé? Eles são imensos, nós tão pequeninos, somos a obra da mesma vontade. Moléculas do mesmo todo, rolando para o mesmo fim...Do astro ao homem, do homem à flor do trevo, da flor do trevo ao mar sonoro..."
 A Cidade e as Serras, Eça de Queirós
Tormes - 11 de Março de 2010
Estação Aregos/Tormes - 11 de Março de 2010