sexta-feira, janeiro 09, 2015

Proibido, proibir - A falácia de Michael Foucault

“Tout va bien maintenant, mais il faut se debrouiller.”

Tirada de uma professora de uma escola problemática dos arredores de Paris, após a intervenção das forças de segurança. Explicava ela que passara a andar em grupo, mesmo dentro das instalações de forma a evitar problemas.
Aquela professora e seus colegas iam para o trabalho como quem vai para o inferno, tinham-se resignado, aprendido a sobreviver em vez de lutar por exercer a profissão de forma nobre e digna.
Numa das suas brilhantes obras Michael Foucault defende que o ensino é uma das estruturas do poder para reprimir, domesticar e alienar as massas de forma a perpetuar os privilégios dos grupos sociais dominantes. No campo do ensino, a partir do Maio de 68 tudo se alterou. É evidente que o Maio de 68 não acabou com o poder. Mas a revolução dos meninos bem, a flor da nata das classes burguesas e privilegiadas de França, que foram os protagonistas daquele divertido carnaval que proclamou o lema “Proibido proibir!”, alargou ao conceito de autoridade a certidão de óbito. Legitimou e deu glamour à ideia de que toda a autoridade é suspeita, perniciosa e desdenhável e que o ideal libertário é nega-la e destruí-la.
O poder não se viu afetado nem um bocadinho, basta recordar que nas primeiras eleições a seguir ao Maio de 68, a direita gaulista obteve uma vitória categórica. Todavia, a autoridade, no sentido romano de auctoritas, não de poder, não voltou a levantar a cabeça. Desde então, tanto na europa, como um pouco por todo o mundo são inexistentes as figuras de autoridade e que os professores encarnavam a nível popular/local. O professor, despojado dessa autoridade, não só perdeu a confiança e o respeito sem os quais é impossível cumprir a sua função de educador perante os alunos, como também perante os próprios pais e sociedade.
O ensino público foi uma das grandes conquistas da França democrática, republicana e laica. As sucessivas vagas de alunos gozavam de uma igualdade de oportunidades que corrigia, a cada geração, as assimetrias e privilégios de família e classe, abrindo as portas do sucesso a todas as crianças. A escola pública era um poderoso instrumento de mobilidade social.
O empobrecimento e desordem que o ensino público sofreu, deu ao ensino particular (ao qual por razões económicas só têm acesso apenas uma franja privilegiada da sociedade e que sofreu menos as consequências do Maio de 68) um papel preponderante na forja dos “governantes” de amanhã, mantendo, assim, o status quo.
Julgando fazê-lo para construir um mundo livre, sem repressão e sem alienação, os filósofos libertários como Michael Foucault e seus discípulos agiram acertadamente para que, graças à revolução que propiciaram, os pobres continuassem pobres, os ricos, ricos e os inveterados donos do poder continuassem com o chicote nas mãos.
O documentário poderia ter sido filmado noutros locais da França ou da europa...aparentemente o desabar da ideia de docente e docência – e em última instância de qualquer forma de autoridade - não parecem haver trazido a libertação criativa do espírito juvenil...
A civilização pós-moderna desarmou moral e politicamente a cultura do nosso tempo e isso explica em parte que alguns dos monstros que julgávamos extintos para sempre depois da II guerra mundial, como o nacionalismo extremista e o racismo, tenham ressuscitado e vagueiam no coração do Ocidente, ameaçando a paz conquistada a custo...

Adaptado de Mário Vargas Llosa, em A civilização do espetáculo - 2012
  

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