quarta-feira, junho 17, 2009

A beleza da vida...humana

Objectivamente não existe qualquer relação entre arte e moralidade, pois arte é arte e moralidade é moralidade, e pela mesma razão não existe qualquer relação entre verdade e moralidade. No entanto, a moralidade, sendo um esforço para elevar a vida humana, tem consequentemente relação com toda a vida humana e a vida inclui a arte e a verdade.
Eu posso, se estiver ao meu alcance, basear um poema maravilhoso no pressuposto que a Terra é o centro do Universo - Copérnico não se sentirá ofendido! No entanto, na medida que utilizo um pressuposto errado, o meu poema perderá o contacto com a vida, i.é, não perderá o contacto com a arte, perdê-lo-á com aquilo a que à arte pertence.
Qualquer poeta sabe muito bem que é mais fácil escrever um bom poema acerca de uma mulher que lhe interesse muito do que acerca de uma mulher por quem esteja profundamente apaixonado; uma grande emoção é egoísta, chama a si todo o sangue do espírito e a congestão deixa as mãos demasiado frias para escrever.
As emoções podem ser fortes, mas rápidas, ou então, profundas na recordação que deixam e ainda falsas se sentidas apenas no intelecto, mas não na "pele" (e vice-versa, pois apenas na "pele", também é sentido por outras formas de vida que não humanas).
A base de toda a arte não é a falta de sinceridade, mas uma sinceridade traduzida. Nunca ninguém poderia escrever um poema se não houvesse dentro dele aquilo que o poema exprime, não no que diz, mas pelo mero facto de existir.
A vida humana atingiu, indubitavelmente, um patamar superior (com todas as responsabilidades inerentes), daí o "dever" de a rentabilizar como um dom único e irrepetível!

6 comentários:

Carlos Pires disse...

"não existe qualquer relação entre verdade e moralidade" - porquê??

A moralidade e a arte são muito diferentes e o que se passa com uma pode não passar-se com a outra. O facto da qualidade da arte ser independente da sua verdade não implica que o mesmo se passe com a moralidade.

"Não se deve torturar prisioneiros" ou "É permissível torturar prisioneiros", "Nunca de deve mentir" ou "Por vezes é correcto mentir" - será que esses juízos morais não têm valor de verdade?
Repare que são incompatíveis, contraditórios.
Um tem de ser verdadeiro e o outro falso.

O problema é quando se analisam tópicos morais é mais difícil de distinguir o verdadeiro do falso do que na Física ou na Biologia.

Mas se não tentarmos fazê-lo, como podemos censurar um pedófilo que afirma convictamente "Não há nada de errado em ter relações sexuais com crianças de 3 ou 4 anos"?

Se os juízos morais não tiverem um valor de verdade (isto é, serem ou verdadeiros ou falsos) o pedófilo poderá limitar-se a dizer "isso é subjectivo, isso é só a sua opinião... você tem uma e eu tenho outra, mas nenhuma delas é melhor (=mais verdadeira) que a
outra - são apenas pontos de vista diferentes, percebe?"

José Lourenço disse...

Viva!

Concordo, em parte, com o que diz (pois a introdução da "verdade" nesta sequência lógica é um pouco forçada); daí, se atentar na segunda frase do texto, ter tido o cuidado de relacionar a moralidade com a vida humana e, consequentemente, com a verdade.


De qq forma gostaria de acrescentar o seguinte:

a) Os conceitos de mau/mal, bem/bom, verdade/mentira, não existem per si; são criações da mente humana. As outras formas de vida comportam-se independentemente destes valores e o Universo não é menos ou mais digno por isso.

b) Mesmo dentro da nossa espécie a criação mental do mapa do exterior não é idêntica, e por isso não podemos com certeza afirmar que descrições da realidade são "verdadeiras" e quais não o são (e existem cerca de 6 biliões de seres humanos...)

Apreendemos o mundo com o cérebro que herdámos da evolução - "não sabemos" o quão limitado ele é... basta ver que outros animais conseguem captar estímulos que nós não conseguimos.

Saudações.

Carlos Pires disse...

Lourenço:

Mas algum conceito existe por si? O que seria o conceito de gravidade se não existissem cérebros para pensar nele?

Diferente do conceito de gravidade é o próprio fenómeno físico: a gravidade. Mesmo que não existissem cérebros capazes de pensar, a própria gravidade existiria – e uma folha arrancada da árvore pelo vento acabaria por cair no chão.

O que disse da gravidade também poderia ser dito das folhas, das árvores, do chão, dos triângulos, etc.

Mas isso não se passa com todos os conceitos:
por exemplo, as sereias e as fadas não “existiriam” se não existissem cérebros capazes de pensar. Os conceitos de sereia e de fada são, portanto, “criações da mente humana” – são um produto da imaginação e não correspondem a nada real.

Uma das maneiras de tentar exprimir essa diferença é falar de objectividade e de subjectividade.

Dizer que o conceito de gravidade é uma “criação da mente humana” seria um equívoco, pois envolveria a sugestão de que o próprio fenómeno não é independente do sujeito que nele pensa.
A expressão “criação da mente humana” não é, por isso, adequada para exprimir a ideia de que um conceito implica alguém que pense nele.

A que grupo pertencem conceitos como bem, mal, verdade, etc.? O Lourenço disse que são “criações da mente humana”. Mas queria mesmo dizer que, tal como as fadas e as sereias, são construções subjectivas?

O facto de outras formas de vida (os coelhos, as couves, etc.) não utilizarem conceitos como bem, mal, verdade, etc., não significa que estes sejam algo subjectivo e meramente humano.
Afinal, as couves e os coelhos também não utilizam o conceito de gravidade.

O facto das pessoas não estarem de acordo quanto ao significado de tais conceitos não implica também que sejam algo irremediavelmente subjectivo – pertencente ao grupo das sereias e das fadas. Significa apenas que a verdade objectiva acerca do assunto ainda não foi descoberta.
De resto, se as pessoas não acreditassem na existência dessa verdade objectiva dar-se-iam ao trabalho de comparar as suas opiniões e tentar perceber – como fazem diariamente – qual delas é a melhor (a mais verdadeira, a mais útil, a mais justa, etc.)?

Uma coisa é não conhecer a verdade (seja sobre que assunto for), outra muito diferente é pretender que não há verdade nenhuma para conhecer.
Uma pessoa que defende que não há verdade nenhuma para conhecer auto-refuta-se sem dar por isso, pois é como se dissesse “É verdade que não há verdade”.

Se colocarmos conceitos como bem, mal, verdade no grupo das sereias e das fadas estaremos a excluí-los da racionalidade.
Penso que esses conceitos devem (tal como o conceito de gravidade, de triângulo ou de gene) ser alvo de análises racionais.
Claro que as investigações acerca do que é a verdade ou uma acção moralmente boa têm algumas características diferentes das investigações sobre as propriedades da luz ou das células estaminais – trata-se das diferenças entre a filosofia e a ciência.
Mas essas diferenças são menores que as existentes relativamente à astrologia ou à religião.

Claro que o nosso cérebro é um produto da evolução e tem limitações: há de facto animais que conseguem captar estímulos que nós não conseguimos – uns porque têm órgãos sensoriais mais apurados, outros porque têm órgãos sensoriais que nós nem sequer temos.

Por tudo isso (e não só), é muito possível que o nosso “retrato” da realidade seja bastante incompleto (e que as coisas tenham alguns “aspectos” que nem concebemos e que existam tipos de coisas que nem concebemos).
E é também possível que algumas partes desse “retrato” estejam não apenas incompletas mas erradas.

Todavia, é muito improvável que esse “retrato” esteja radicalmente errado, pois nesse caso a nossa espécie não teria sobrevivido e prosperado.
Ou seja: o facto do nosso cérebro ser um produto da evolução é, pelo contrário, uma prova (no sentido de indício e não de demonstração definitiva) de que o tal “retrato” é no essencial… verdadeiro.

Cumprimentos.

José Lourenço disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
José Lourenço disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
José Lourenço disse...

Viva, carlos!

Volto a relembrar que na segunda frase do texto tive o cuidado de ligar a moralidade com a verdade, na medida que fazem parte do esquema conceptual da vida humana.


Claro que há conceitos que existem per si. Naturalmente que os fenómenos geológicos (erosão, erupções vulcânicas, sismos) e físicos (gravidade, calor, luz), por exemplo, são um facto, independentemente de existirem seres humanos ou não.

Se não houvesse humanos na Terra e um chimpanzé estivesse debaixo de uma macieira poderia levar com uma maçã na cabeça; não saberia que tal fenómeno era o resultado da gravidade (mas era-o de facto)!

As couves e os coelhos podem não utilizar o conceito de gravidade mas sofrem os seus efeitos - é ela que os mantém no solo, em vez de andarem a levitar...mas se o coelho destruir uma plantação de couves, não fica com a consciência pesada!


Já em relação aos conceitos de bem, mal, verdade, mentira, tenho a convicção que são criações humanas - não "têm vida" fora da nossa actividade neuronal;o neurologista Espanhol Rámon Núnez defende esta abordagem.

Já Richard Rorty refere que: "Só as descrições do mundo podem ser verdadeiras ou falsas; o mundo por si próprio - sem o auxílio das actividades descritivas dos seres humanos - não pode."

O psicólogo e neurologista Richard Gregory (da Universidade de Bristol) defende que não é verdade que o cérebro humano esteja programado para procurar a verdade...mas sim para sobreviver. Segundo ele, para viver não necessitamos de nenhuma verdade nem queremos saber a verdade acerca de nada...queremos é saber de conforto, prazer e afins!

Uma questão: Durante a evolução se os nossos antepassados tivessem sido sempre bonzinhos e verdadeiros será que tinham sobrevivido(pelo caminho, aparentemente, "limparam" os Neanderthalenses, por exemplo)?


Outra questão:
Depois dos progressos a todos os níveis não era suposto a espécie humana ser mais pacífica (verdade = bem)?

VERDADE, BEM, MAL... será que esses conceitos têm validade (ou existem) no Universo? Quando uma galáxia choca com outra e destrói grande parte da vida que, supostamente, existia nelas, isso foi bom ou mau?
Quando um meteorito choca com um planeta e destrói grande parte das formas de vida nele existentes, isso é bom ou mau?
Os dinossaurios extinguiram-se; isso foi bom ou mau?
O big bang (a ser verdade que tenha ocorrido) foi bom ou mau? O universo é finito - verdade ou mentira? As estrelas são boas ou más?

Resposta: O Universo não quer saber das nossas verdades, nem do nosso bem nem do nosso mal; é-nos, simplesmnete, indiferente! Será que se esses conceitos existissem per si - como a gravidade, por exemplo - o universo não os levaria em linha de conta?

Ou será que nos custa a aceitar que o universo não quer saber deste nosso esquema conceptual em que vivemos neste planeta perdido e à deriva nos confins do tempo e do cosmos? A verdade, o bem e o mal serão, neste contexto, a nossa "miserável" tábua de salvação?

A nossa Galáxia nem sequer faz parte do grupo considerado "central" do universo conhecido!!!

Ou seja, esses conceitos são importantes (existem) no quadro de vivências humanas...mas apenas aí!

Não deixa de ser fantástico que neste canto perdido do cosmos tenha evoluído vida que tomou consciência de si própria; mas o primeiro dever dessa consciência é desconfiar dela própria (da inteligência)...e POR ACRÉSCIMO da "VERDADE" e afins!

De qualquer forma, como não acredito em convicções estáticas, definitivas e intemporais (a História "diz-nos" que não existem) até poderei vir a mudar de ideias (de paradigma)...mas para já não!

De qualquer forma, obrigado pelo comentário.

Saudações